A cor do dinheiro

Apesar do fosso econômico que separa os negros do restante da população, muitos deles já conseguiram romper as barreiras do preconceito e cresceram na cena empresarial

Na quarta-feira 14, a direção do jornal The New York Times reuniu a equipe para comunicar a nomeação do premiado jornalista Dean Baquet para o posto de editor-executivo. Trata-se de um dos cargos de maior prestígio em um dos cinco jornais mais influentes do planeta. Um detalhe, porém, chamou a atenção de todos. Baquet é o primeiro jornalista negro a assumir a função nos 163 anos da empresa. Se em um país que desde a década de 1970 adota políticas de ação afirmativa os afrodescendentes ainda são minoria nos centros de poder político-empresarial (apesar de o presidente Barack Obama ser negro), imagine o que acontece no Brasil, onde esse debate é recente e no qual, mesmo depois de 126 anos da abolição formal da escravatura, as estatísticas mostram um profundo viés discriminatório, especialmente do ponto de vista econômico.

A pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero nas 500 Maiores Empresas do Brasil, elaborada pelo Instituto Ethos, mostra que no período 2001-2011 subiu de 1,8% para 5,3% o número de altos executivos negros ou mulatos. Nos EUA, onde esse grupo representa apenas 12,6% da população, ante os 51% no Brasil, nada menos que 9,4% dos postos de comando nas 100 maiores corporações têm a pele negra. Aqui, eles também levam desvantagem no salário, recebendo um rendimento 36% menor que o de não negros. Pelo lado do empreendedorismo, a situação não é diferente. Pesquisa Os Donos de Negócios no Brasil, do Sebrae, indica que 49% das pequenas empresas brasileiras são comandadas por afrobrasileiros.

Esmiuçando os números, salta aos olhos o fato de que somente 8% dos 11,1 milhões de empreendedores desse recorte racial estejam à frente de estruturas com um mínimo de robustez. A maioria é empreendedor de si próprio. No caso dos brancos, as empresas mais estruturadas chegam a 19% do total. Afinal, por que isso acontece? “No Brasil vigora um racismo estrutural que impede que os negros cresçam economicamente”, afirma o cientista social Adilton de Paula, coordenador do Projeto Brasil Afroempreendedor, tocado pelo Instituto Adolpho Bauer (IAB), de Curitiba. “Na hora de competir por crédito, por exemplo, o negro é preterido, pois existe a crença de que ele não quitará a dívida ou que seu negócio não irá para a frente.”

Recorrente entre os empreendedores afrobrasileiros, há, no entanto, exceções a esse tipo de queixa. Uma delas é o paulista Geraldo Rufino, fundador e presidente da JR Diesel, baseada na Vila dos Remédios, em São Paulo, especializada na reciclagem de caminhões. “Nunca liguei para o preconceito racial”, diz Rufino. “Quem tentou me atingir dessa forma falhou, pois sempre fiz das dificuldades uma alavanca para crescer.” Ao lado de sua longeva carreira no Playcenter, onde ingressou como office-boy aos 14 anos e se tornou um prestigiado diretor, Rufino construiu uma trajetória empresarial em parceria com seus irmãos, José e Moacir.

Adepto de um estilo de gestão mais baseada no “feeling” que nos manuais de administração, ele quebrou diversas vezes. Mas sempre se reergueu. Hoje, seus 100 funcionários desmontam mil caminhões por ano, o que garantiu receita de R$ 50 milhões em 2013, segundo Rufino. São veículos sucateados, adquiridos em leilão ou que passaram por condições severas como os de empresa de limpeza urbana. Nenhum afrodescendente, porém, conseguiu ir tão longe no Brasil quanto a carioca Heloísa Assis, a Zica, e sua sócia Leila Vélez, que comandam a Beleza Natural, uma rede de salões de beleza especializada no tratamento de cabelos afro.

A empresa nasceu de forma intuitiva, em 1993, no bairro da Muda, no subúrbio carioca, onde elas produziam cremes e fórmulas. O trabalho da dupla chamou a atenção das clientes, gente que não queria se submeter à ditadura da chapinha, mas buscava uma forma de manter os cachos bonitos e tratados. “Nunca imaginei que meu problema era compartilhado por tantas mulheres”, afirma Zica que, na década de 1980, se sentia discriminada por patroas da zona sul carioca, que relutavam empregar mulheres com cabelo afro. O resto é história. Em meados de 2013, a Beleza Natural entrou na mira do fundo GP, que pagou R$ 70 milhões por 33% da rede.

O plano de expansão traçado com o auxílio do GP fará com que a Beleza Natural se torne a primeira empresa comandada por um representante da raça negra, no Brasil, a furar a barreira do R$ 1 bilhão em faturamento.Para Leila, o valor deverá ser atingido até 2018. No ano passado, a receita foi de R$ 166 milhões. Para isso, a rede pretende crescer de forma exponencial, multiplicando por sete as 20 unidades atuais. “Crescemos junto com as mulheres que são o nosso público-alvo”, diz Leila. A criatividade, a garra e a inventividade de Zica foram acrescidas à qualificação de Leila, que aos 16 anos gerenciava uma unidade do McDonald’s.

É também com qualificação que o sociólogo De Paula, do IAB, espera ajudar a romper as barreiras que impendem o florescimento dos empreendedores negros. Para isso, a entidade está tocando um megaprograma de capacitação, em parceria com o Sebrae e o Coletivo de Empresários e Empreendedores Afrobrasileiros de São Paulo. Foram selecionados 100 empreendedores de 12 Estados de todas as regiões, para participar de cursos e treinamentos. Para bancar o crescimento desse contingente, a ideia é buscar parceiros daqui, como a Caixa, e do Exterior, como o Banco Mundial. Um dos acordos está sendo costurado com o Fundo Baobá, gerido pela comunidade afrobrasileira e que conta com o apoio de empresas americanas.

“Queremos, por meio de exemplo de empresários bem preparados, acabar com as dúvidas sobre a capacidade gerencial dos afroempreendedores”, afirma De Paula. Outro jeito de potencializar os negócios liderados por esse contingente tem sido a formação de redes para que o dinheiro da comunidade circule entre as empresas lideradas por afrobrasileiros. Uma das pioneiras no conceito “black money” é a empresária paulistana Adriana Barbosa. Desde 2002, ela organiza a Feira Preta, evento que reúne atividades culturais e a venda de produtos étnicos. Assumir claramente um recorte racial já lhe trouxe inúmeros problemas.

“Perdi diversos contratos com empresas que só topavam patrocinar a feira se mudássemos o nome”, diz Adriana. Militante do movimento negro, ela seguiu em frente. E não se arrependeu. A última edição da feira gerou negócios da ordem de R$ 700 mil. No total, a marca Feira Preta, que inclui um instituto onde são ministrados cursos de gestão e são produzidos eventos culturais promovidos pelo Brasil afora, movimenta R$ 370 mil por ano. “A comunidade negra precisa se impor pela capacidade intelectual e pelo empreendedorismo”, afirma o sorridente Rufino, fundador da JR Diesel, que se orgulha de, diante das dificuldades, sempre ter se levantado, sacudido a poeira e dado a volta por cima.

Compartilhe!

Deixe o seu comentário, queremos ouvir você