Empreendedores negros focam em potencial do mercado afro no Brasil
50% dos empresários brasileiros são negros, segundo PNAD 2013. Afroempreendedores usam experiências próprias para criação de negócios.
O mercado profissional tem ganhado cada vez mais empreendedores negros e muitos deles preferem começar apostando em um público que já conhecem bem: os afrodescendentes. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios de 2013 (PNAD), das 23,5 milhões de pessoas donas de negócios no Brasil, 50% se declaram pretas ou pardas. O número aumentou 6% em comparação com 2003.
Foi assim com a Sheila Makeda e sua irmã Shirley Leela. A mãe delas é cabeleireira há 20 anos e ensinou para as filhas como manter um cabelo bem cuidado. Com os ensinamentos, as irmãs decidiram virar sócias e abrir um salão de beleza. Depois de 12 anos, mudaram o foco do negócio. “Fui atender minhas clientes em domicílio e comecei a perceber a dificuldade que elas tinham para encontrar cosméticos”, afirma Sheila.
Ela percebeu que suas clientes de cabelos crespos e cacheados, de maioria negra, usavam diversos produtos porque não conseguiam encontrar um único que fosse ideal. Para ajudá-las, Sheila começou a procurar produtos em perfumarias para que elas testassem. “Junto com isso eu tive uma descoberta particular também, de gostar do meu cabelo como ele era e de assumir meus cabelos crespos, minha coroa, como chamamos”, relembra.
“A partir disso, eu comecei a trazer para as clientes minha história de identidade e falar para elas ‘vamos deixar esse cabelo natural’. E elas perguntavam ‘mas o que eu uso?’”, conta Sheila. Foi quando ela identificou a oportunidade de montar uma linha de produtos específicos para cabelos crespos e cacheados. Com a ajuda da irmã, que já tinha experiência em desenvolvimento de cosméticos, Sheila fez testes por um ano até que conseguiu lançar o primeiro produto. Três anos depois, a Makeda Cosméticos já tem uma linha com 11 produtos, todos criados pelas duas irmãs.
A empresa fica no mesmo lugar do salão anterior, na Zona Leste de São Paulo, e conta com mais cinco funcionários, incluindo a mãe das empreendedoras. O negócio hoje abrange todos os públicos. Sheila e Shirley também trabalham em um projeto de comercialização dos cosméticos com distribuidores na Bahia, Rondônia e Angola, além de terem e-commerce. “A gente foi acostumada a achar que só química resolve nosso cabelo e a nossa ideia é passar que com um bom produto você consegue ter o cabelo bem tratado”, afirma Sheila.
Afroempreendedores
O salão da Sheila e sua irmã faz parte do Projeto Brasil Afroempreendedor, uma iniciativa do Sebrae em conjunto com o Instituto Adolpho Bauer (IAB), o Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros de São Paulo (Ceabra/SP) e a Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (Anceabra).
“Esse projeto é uma experiência para se construir uma política pública de fortalecimento do afroempreendedorismo no Brasil”, afirma Adilton de Paula, coordenador nacional do projeto. A proposta é incentivar micros e pequenos empresários negros a tirarem seus negócios do papel ou da informalidade, dando orientação e qualificação para eles, através de consultoria e cursos.
O Projeto Brasil Empreendedor é desenvolvido em nove estados e conta com mais de 1.500 participantes. “Ainda há um olhar enviesado na sociedade que pensa que o negro não pode ocupar tal lugar ou ser empresário. Nós pensamos que pode sim e isso é um elemento fundamental para fortalecer a identidade da comunidade negra”, explica Adilton.
Dados processados pelo Sebrae a partir da PNAD 2013 revelam a distinção entre empresários negros e brancos. Enquanto 78% dos empreendedores declarados brancos são empregadores, entre os negros o número corresponde a 9%. Os demais (91%) são classificados como empresários por conta própria – aqueles que trabalham sozinhos ou com sócio, mas não contam com empregados remunerados.
Ainda há um olhar enviesado que pensa que o negro não pode ser empresário. Nós pensamos que pode sim
Adilton de Paula
Projeto Brasil Afroempreendedor -
Um exemplo desse tipo de empresário é a Cynthia Mariah, que criou um ateliê de roupas com o mesmo nome. “Primeiramente, comecei a fazer pensando em peças para mim, porque eu não achava coisas do jeito que eu gostava, faltava colorido e algo diferente”, conta a empresária.
Desde 2004 ela começou a costurar suas próprias roupas. Quando caíram no gosto das amigas, Cynthia decidiu começar a vender as peças, que são todas únicas e com temas afros. Em 2013, ela montou o ateliê dentro de sua própria casa. Lá ela também dá aulas de corte e costura artesanal e desenho de moda. “[Eu busco] a profissionalização do afroempreendedor porque muitos trabalham com moda afro, mas poucos têm o conhecimento de moda em si”, explica Cynthia.
A maioria dos clientes do ateliê são mulheres negras, tanto para as aulas como para a compra das peças. A empresária acredita que o reconhecimento da identidade negra tem fomentado esse mercado. “Desde 2010 o Censo já apontou que os negros se assumiam mais e isso deu uma melhorada no mercado, as pessoas buscaram mais esses produtos [com tema afro]”, afirma.
Empresárias de sucesso
Se os empreendedores negros sentem dificuldade de se estabelecerem hoje em dia, há 15 anos atrás a situação era menos favorável. Foi nessa época que as irmãs Joyce, Lucia e Cristina Venancio criaram a Preta, Pretinha, uma loja especializada em bonecas negras.
Quando crianças, as meninas sentiram falta de bonecas que as representassem e sempre questionaram o porquê de não existirem esses brinquedos no mercado. “Tínhamos um trabalho muito bem feito em casa relacionado a autoestima, minha avó explicava para nós nossa origem, sempre passando um lado positivo e de empoderamento”, conta Joyce Venancio.
Foi a avó Maria Francisca que decidiu fazer uma boneca negra para as netas brincarem. Na vida adulta, depois de tentarem carreira em outras profissões, as irmãs decidiram se juntar para retomar o sonho da infância. “No mercado, as bonecas negras são estereotipadas com olhos grandes, boca vermelha e até nomes pejorativos, como ‘nega maluca’. Até as roupas delas eram inferiores, feitas com tecido de chita. Nós não somos isso”, afirma Joyce.
Hoje, além da loja na Vila Madalena, em São Paulo, as irmãs também fazem trabalhos sociais com crianças para incentivarem a aceitação da identidade negra. As bonecas também foram diversificadas e ganharam modelos que representam, dentre outras, as meninas orientais, ruivas, indianas, muçulmanas e também as pessoas com deficiência, como síndrome de Down, por exemplo.
Para Adilton de Paula, a importância dos empreendedores negros na sociedade não traz benefícios só para eles. “A população não negra precisa entender que isso não é uma guerra racial e não há ideias de fomentar o ódio e disputa entre raças, mas fazer com que as oportunidades sejam iguais para todos e que todos possam ajudar a construir o país”.
Autor: Larissa Santos, Sob supervisão de Laura Naime