Desenvolvimento e Empreendedorismo Afro-Brasileiro
Desafios históricos e perspectivas para o século 21
por João Carlos Nogueira
Projeto Brasil Afroempreendedor
Coordenação política:
Francisco Rodrigues da Silva Sobrinho (IAB)
João Bosco Borba (ANCEABRA)
João Carlos Martins (Ceabra)
Luiz Antonio de Almeida (IAB)
Sebrae Nacional:
Antonio Carlos Thobias Jr.
Bruno Quick (Gerente da UPP)
Maria Angela Machado
Comitê gestor:
Adriana Barbosa (Instituto Feira Preta)
Antonio Carlos Thobias Jr. (Sebrae Nacional)
Cristiane Sobras (FCP)
Francisco Rodrigues da Silva Sobrinho (IAB)
João Bosco Borba (ANCEABRA)
João Carlos Martins (CEABRA/SP)
João Carlos Nogueira – Consultor Técnico/Coordenador Executivo
Luiz Antonio de Almeida (IAB)
Maria Ângela Machado (Sebrae Nacional)
Maria das Graças (ANAMAB)
Reverendo Sergio Melo
Equipe do Projeto:
Adilton José de Paula – Coordenador Institucional
Amilcar Alexandre Oliveira da Rosa – Consultor Nacional
Aparecida Conceição dos Santos – Consultora Nacional
João Carlos Nogueira – Consultor Técnico/Coordenador Executivo
Julia Mello – Tesoureira do Convênio
Laercio Castro – Consultor IAB – Desenvolvimento Gráfico
Maria Alice da Silva – Consultora Nacional
Uma opção democrática para ascensão profissional
Luiz Barretto, presidente do Sebrae Nacional
O Brasil tem avançado, nas últimas décadas, na construção de um modelo de desenvolvimento econômico acompanhado pela redução de disparidades sociais históricas. O empreendedorismo tem sido estratégico para estimular um processo simultâneo de inclusão e de ascensão social. Nesse contexto, as micro e pequenas empresas ocupam um papel de destaque e são uma alternativa cada vez mais atraente e democrática de crescimento profissional. Democrática porque abre oportunidades para grupos por vezes discriminados no mercado de trabalho, como os negros e as mulheres.
No empreendedorismo, como no mercado em geral, questões de raça e de gênero não devem ser critério de diferenciação de renda e de oportunidades, e sim um conjunto de competências, incluindo capacitação contínua para ter maiores chances de se sobressair em meio a um mercado de concorrência acirrada. O Sebrae tem como objetivo – desde sua criação, em 1972 – promover a competitividade e o desenvolvimento sustentável das micro e pequenas empresas e fomentar o empreendedorismo. A qualificação dos empreendedores representa condição básica para aumentar a competitividade da empresa. Abrir e gerir uma empresa exige um conjunto de habilidades e conhecimentos e o Sebrae trabalha para capacitar o empreendedor e ajudá-lo a entender o mercado, o público que se deseja atingir, e planejar bem o negócio. Para atuar da maneira mais eficaz possível, o Sebrae produz uma série de estudos e pesquisas sobre indicadores das micro e pequenas empresas, incluindo o perfil do empreendedor brasileiro. Com esses estudos, constatamos que os pequenos negócios estão à frente de mudanças bem-vindas e necessárias na sociedade, oferecendo maiores oportunidades de ascensão profissional para todos os grupos da sociedade. Um exemplo foi um levantamento que divulgamos no segundo semestre de 2013, que apontou que quase a metade das micro e pequenas empresas brasileiras já são comandadas por empreendedores negros.
O estudo, realizado com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), revelou que a quantidade de empreendedores negros cresceu 29% entre 2001 e 2011. Entre os que se declaram brancos, o crescimento foi de 1% no mesmo período. A participação da raça negra aumentou de 43% para 49% no segmento das micro e pequenas empresas, aquelas que possuem faturamento de até R$ 3,6 milhões por ano. Estamos falando de mais de 11 milhões de empreendedores, cerca de 60% deles chefes de família.
O Sebrae vem investindo em ações de capacitação e desenvolvimento de atitudes empreendedoras na população negra. Por meio de uma parceria com o Instituto Adolpho Bauer e o Coletivo de Empresários e Empreendedores Negros de São Paulo, o Sebrae lançou, em agosto de 2013, o projeto Brasil Afroempreendedor para capacitar donos de pequenos negócios em 12 estados brasileiros. Essa experiência certamente proporcionará resultados muito importantes para melhorar a vida de muitas famílias e estimular a economia. Além dessa parceria voltada especificamente para os afroempreendedores, o Sebrae oferece cursos e palestras, consultorias e informações de gestão para quem já empreende ou para quem sonha em montar a sua empresa.
Além da pesquisa que revelou o aumento do número de
empreendedores negros no país, outra pesquisa recente,
feita pelo Sebrae em parceria com o Dieese, nos trouxe
boas notícias dos pequenos negócios sobre a questão de
gênero. Ela indica que os pequenos negócios estão à frente
de mudanças como a redução da diferença salarial entre
homens e mulheres – uma característica que, infelizmente,
persiste no mercado em geral. Nas médias e grandes companhias
brasileiras, os homens ganham 44% a mais do que
as mulheres. No entanto, a relação é menos desigual nos
pequenos negócios. Nas micro e pequenas empresas os homens
ganham em média 24% mais que as mulheres.
Outro dado que demonstra a mudança é que, na última
década, essa desigualdade entre os gêneros caiu dois pontos
percentuais nas micro e pequenas empresas. Nas médias
e grandes, por sua vez, ela cresceu seis pontos percentuais.
Como o sexo feminino representa quase 40% dos trabalhadores
com carteira assinada em micro e pequenas empresas,
estamos falando de cerca de 6 milhões de mulheres que
conquistaram renda e estão em situação menos desigual hoje
do que há uma década. E com perspectiva de reduzir ainda
mais essa diferença, a julgar pela tendência apresentada
nos últimos anos.
O porte das empresas é uma das características que
impactam na diferença salarial entre homens e mulheres.
Nas grandes corporações, a estrutura organizacional é mais
complexa e as mulheres que ocupam cargos mais altos na
hierarquia ainda são poucas. Já nos pequenos negócios, o
acesso às decisões é facilitado. A convivência com os donos
das empresas – sejam homens ou mulheres – é mais próxima
e favorável para que bons profissionais se destaquem.
Até aqui, tratamos da mulher como funcionária, mas
outro movimento crescente é o da mulher empreendedora.
Entre todos os brasileiros, a busca pelo próprio negócio
pode ser creditada ao aumento da escolaridade, à melhora
do ambiente legal – com a legislação mais favorável aos
pequenos, em especial com o regime tributário do Supersimples
– e, certamente, ao crescimento do mercado, impulsionado
pela inclusão de mais de 40 milhões de pessoas na classe média na última década. Para as mulheres, em especial,
outra razão é muito atraente na troca de um emprego
pelo negócio próprio: a flexibilidade de horários.
É fato que uma micro ou pequena empresa exige enorme
dedicação, mas não exige ponto ou um horário rígido:
a dona do negócio é dona do seu tempo. E isso faz muita
diferença para quem precisa conciliar o trabalho com responsabilidades
do lar e da família – tarefas ainda concentradas
nas mulheres.
O empreendedorismo também tem sido um caminho cada
vez mais viável e atrativo para os jovens brasileiros, que
podem enxergar nele uma alternativa para suas vidas: ter
um negócio próprio. Nossas pesquisas mostram que 44% dos
jovens brasileiros entre 18 e 24 anos sonham em ter seu
negócio. De cada 10 jovens, cinco estão tentando viabilizá-
lo e dois já realizaram. Há cinco anos essas pesquisas
apontavam majoritariamente que o jovem queria trabalhar em
multinacional.
Considero promissor que os pequenos negócios estejam
na dianteira de mudanças tão positivas como o maior interesse
dos jovens e a maior participação dos negros e mulheres
no empreendedorismo, bem como a redução da diferença
salarial entre homens e mulheres. Somadas, são quase 8
milhões de micro e pequenas empresas, o que equivale a 99%
dos CNPJs do Brasil. Nesse segmento estão mais da metade
das vagas formais de trabalho e quase 25% do PIB. Nas épocas
de crise, são as micro e pequenas empresas que geram
o saldo positivo do Caged (Cadastro Geral dos Empregados
e Desempregados, do Ministério do Trabalho). Nos momentos
diferenciais, elas respondem por mais de 70% da geração de
emprego. É um segmento fundamental para o país.
Não há dúvida quanto ao impacto dos pequenos negócios
para a economia local e, num ciclo virtuoso, para a
nacional. É imenso, portanto, o potencial de disseminação
das mudanças culturais originadas ou encampadas pelos pequenos
negócios. O mais importante, no empreendedorismo,
é a capacitação permanente. Os empreendedores atentos a
essa condição de competitividade sempre terão como aliado o Sebrae, que oferece cursos gratuitos ou subsidiados, de forma presencial e a distância, com treinamentos de alta qualidade para que as empresas possam crescer de forma sustentável e aumentar o faturamento.
Este livro contribui, com informações e análises, para o debate público sobre o estímulo às atividades produtivas empreendidas por afrodescendentes. Independentemente do grupo social ao qual o empreendedor pertença, a educação é a chave para combater as desigualdades de oportunidades que persistem no mercado de trabalho. O mérito precisa ser o ponto central para o reconhecimento e a promoção de profissionais no mercado – como se pode comprovar cada vez mais nas micro e pequenas empresas. Talento e qualificação, afinal, independem de características como idade, raça ou gênero.
Um importante instrumento na profunda mudança da realidade brasileira
Luis Antonio de Almeida, Diretor Técnico do Instituto Adolpho Bauer
Francisco Rodrigues da Silva Sobrinho, Diretor Presidente do Instituto Adolpho Bauer
O Instituto Adolpho Bauer é uma organização nãogovernamental
sem fins lucrativos, com sede na cidade de
Curitiba (Paraná) e com perspectiva de atuação em todo o
território nacional. Nascido em 2009, o IAB tem seu foco
no desenvolvimento territorial sustentável e no desenvolvimento
de projetos educacionais que visem à melhoria da
qualidade de vida e com a perspectiva de sustentabilidade
humana, social e ambiental. Sua missão é “lutar por um
mundo melhor, com sustentabilidade humana, econômica, social
e ambiental, com igualdade de direitos e deveres para
todos e todas”. Combater as desigualdades e todas as formas
de violências e discriminações, promover a igualdade
social, de classe e de gênero, fazem parte dos princípios
e objetivos estratégicos do Instituto.
Em seus primeiros anos de existência, o Instituto construiu
um planejamento estratégico ousado, e iniciou suas atividades
com vários projetos de grande dimensão e importância
econômica e social: qualificação profissional para trabalhadores e trabalhadoras das indústrias plásticas do estado do Paraná; consultoria organizacional para empresas plásticas e
químicas do Paraná, visando à melhoria da competitividade e
da produtividade do setor, bem como a formação de novos empreendedores
e empreendedoras populares; desenvolvimento de
projetos e parcerias que venham a contribuir para o combate
às violências e discriminações e para a efetiva promoção do
direito das mulheres e dos jovens; programas de prevenção
de doenças e acidentes no trabalho e de articulação de apoio
às comunidades quilombolas do Paraná. Sem ser uma entidade
do movimento negro, o Instituto nasceu com o firme objetivo
e o compromisso de lutar contra o machismo e o racismo e de
promover a igualdade social, de gênero e de raça.
Em 2010, firmamos uma importante parceria com a União
Ibero-Americana de Municipalistas (UIM), tornando assim o
IAB uma importante referência ibero-americana na formação
de gestores públicos numa perspectiva de desenvolvimento
territorial sustentável. O Instituto busca também ser uma
ponte de diálogo entre os trabalhadores e as indústrias
paranaenses, na busca da responsabilidade social e da qualidade
de vida. O Instituto Adolpho Bauer segue buscando
parcerias, convênios, intercâmbios e projetos que venham
a contribuir para combater todas as formas de violência e
discriminações e para a efetiva promoção do direito das
mulheres e da juventude.
É o caso do projeto Brasil Afroempreendedor, um dos
nossos principais programas. Num momento em que o Brasil
abre um novo ciclo de desenvolvimento, é fundamental
abrirmos nossos olhos e olharmos com atenção a realidade
sociorracial em que vivemos. Ao contrário do que dizem algumas
pessoas e parte da mídia, o Brasil não é uma democracia
racial. Vivemos ainda em uma sociedade preconceituosa
e racista, com grandes distorções socioeconômicas e com
um forte racismo institucional. Pesquisas atuais comprovam
que negros e negras não têm as mesmas oportunidades
que brancos, como o acesso aos altos cargos de gerência e
diretoria das empresas brasileiras.
De acordo com o IBGE, entre 2001 e 2011, o número de donos de negócios no País cresceu 13%, passando de 20,2 milhões para 22,8 milhões de pessoas. No período, o número
dos empresários que se declaravam pretos e pardos cresceu
29%, passando de 8,6 milhões para 11,1 milhões de pessoas.
O número dos que se declaravam brancos aumentou apenas 1%
(passando de 11,4 milhões para 11,5 milhões de pessoas) e
a categoria “outros” apresentou expansão de 42% (passando
de 185 mil para 262 mil). Contudo, segundo pesquisa do
Instituto Ethos, Perfil Social, Racial e de Gênero das 500
Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas (2010),
negras e negros seguem afastados dos espaços de direção e
comando das empresas e organizações nacionais.
O contingente de negros na população brasileira tem
crescido continuamente. Entre 2004 e 2009, houve um aumento
de 3,1 pontos percentuais na população formada por pretos
e pardos. Em 2004, a proporção de pretos era de 5,9%;
em 2009, passou a 6,9%, com aumento de 1 ponto percentual.
A proporção de pardos era de 42,1%; passou a 44,2%, com
aumento de 2,1 pontos percentuais. Somados, pretos e pardos
já são maioria no país: saltaram de 48% para 51,1%, o
que representa, em números absolutos, 98 milhões de indivíduos.
A população branca decresceu simultaneamente, no
período de 2004 a 2009, de 51,4% para 48,2%, o que representa,
em números absolutos, 92,5 milhões de indivíduos.
A disparidade é menor no quadro funcional, com 31,1%
dos postos de trabalho ocupados por negros, e aumenta nos
outros quadros, configurando um afunilamento. A proporção
de negros é progressivamente menor nos níveis hierárquicos
mais elevados: 25,6% na supervisão, 13,2% na gerência e
5,3% no executivo, referindo-se essa última parcela, em
números absolutos, a 62 negros num grupo de 1.162 diretores.
A situação da mulher negra é ainda pior: 9,3% no
quadro funcional, 5,6% na supervisão, 2,1% na gerência e
0,5% no quadro executivo, representando essa última porcentagem,
em números absolutos, 6 negras (todas pardas)
entre as 119 mulheres ou os 1.162 diretores, negros e não
negros, de ambos os sexos, cuja cor ou raça foi informada
pelas empresas respondentes.
Quando cruzadas as informações sobre raça/cor e tipo de ocupação no mercado de trabalho (conta própria e empregador), verifica-se que 86% dos donos de negócios trabalham por conta própria e 14% são empregadores. No grupo dos donos de negócios pretos e pardos, a proporção de conta própria sobe para 92%, mostrando que nessa categoria os negócios tendem a ter uma estrutura mais simples e/ou com menor densidade de capital. Apenas 8% dos donos de negócios pretos e pardos são empregadores. Entre os donos de negócios brancos, a proporção de conta própria é de 81% e a de empregadores é de 19%. Na categoria outros, a proporção de conta própria é de 80% e a de empregadores é de 20%.
Vale lembrar que empreendimentos de uma pessoa só, em geral, envolvem estruturas mais simples de operação. Em
alguns casos, podem representar também maior precariedade: o negócio depende quase que exclusivamente do dono.
Se levarmos em conta apenas o conjunto dos conta própria existentes no país (19,7 milhões de pessoas), verifica-se que 52% são pretos e pardos, 47% são brancos e 1% outros. Tomando apenas o conjunto dos empregadores existentes no país (3,2 milhões de pessoas), constata-se que 29% são pretos ou pardos, 70% são brancos e 2% outros.
Verifica-se, portanto, que a proporção de pretos e pardos é muito maior no grupo dos conta própria do que no grupo
dos empregadores.
Se temos uma população afrodescendente tão significativa numericamente, algumas perguntas nos perseguem: por que os negros não estão presentes na gestão das empresas e instituições sociais e econômicas no país? Por que temos cerca de 11 milhões de afroempreendedores no país e, no entanto, não temos uma política efetiva de apoio e incentivo ao afroempreendedorismo?
Esperamos que este livro e nosso trabalho possam ajudar a responder essas e outras importantes questões sobre a temática racial e acreditamos que o afroempreendedorismo pode ser um importante instrumento na profunda mudança da realidade brasileira, buscando transformar nosso país ao longo dos próximos anos numa efetiva democracia racial.
Um marco para a construção de uma política nacional para os empreendedores afro-brasileiros
João Carlos Borges Martins, Presidente do Ceabra SP
Aparecida dos Santos, Coordenadora de projetos do Ceabra SP e consultora nacional do projeto Brasil Afroempreendedor
Em 1996, um grupo de empresários e profissionais liberais
negros, alguns ativistas, militantes ou simplesmente
credos da iniciativa, se reunia em Brasília (DF) objetivando
a criação de uma organização empresarial, com foco
na ampliação da participação das empresas afro-brasileiras
na realização de negócios no Brasil e no exterior. O grupo
foi visitar uma feira internacional de produtos em Senegal
(África). Os poucos dias que ali ficaram deram-lhes a certeza
de que seria possível desenvolver projetos para que
empresários brasileiros pudessem vender seus produtos para
o mercado africano.
A concepção de uma associação de empresários negros
já permeava os membros desse grupo, que enxergava como estratégico
o fortalecimento dos empresários e empreendedores
negros como forma de inclusão e luta contra a discriminação
e o preconceito racial. No entanto, entre o sonho,
o desejo e a realidade havia um hiato que teriam que saber
transpor para alcançar seus objetivos. Assim que começaram a sonhar com o estabelecimento dessas parcerias comerciais,
defrontaram-se com uma realidade conhecida, mas
nem sempre palpável: não tinham ideia de quem eram, onde
estavam e o que faziam os empresários afro-brasileiros. Ao
tentar descobrir, depararam-se com outro problema: parte
considerável dos empreendedores negros vivia na informalidade,
não tinha experiência administrativa nem comercial
e não possuía ferramentas teóricas de como administrar e
levar adiante um negócio próprio.
Como se pode perceber, as vendas para a África foram
um fracasso, mas a iniciativa abriu um novo campo de atividade.
A partir das dificuldades encontradas, buscaram conhecer
melhor esse empresário negro e proporcionar condições
para que ele pudesse se desenvolver, gerar renda para
sua família, dar oportunidade de empregos e tornar sua
atividade comercial um elemento de inclusão social. Sob
tal perspectiva, em 6 de maio 1997, foi fundado legalmente
o Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiro
de São Paulo (Ceabra). Essa iniciativa estimulou a criação
de Ceabras em outros estados brasileiros: Minas Gerais
(Belo Horizonte) e Rio Grande do Sul (Porto Alegre).
Em 1997, os Ceabras, integrando-se à experiência do
Rio de Janeiro (do Circulo Olympio Marques, Colymar),
iniciaram a preparação de uma instituição nacional, objetivando
a ampliação da intervenção e da participação
das empresas afro-brasileiras. Foram criadas as bases da
Associação Nacional dos Ceabras (Anceabra), que teve sua
fundação em 16 de janeiro de 1999.
Naquele mesmo ano, ocorreu o primeiro evento do Ceabra
São Paulo, o seminário Negro Rumo ao Século XXI, que
apontava o empreendedorismo como uma das saídas para a
população negra no mundo do trabalho. Desde então, o Ceabra
vem desenvolvendo várias atividades com essa finalidade,
como cursos de qualificação profissional para jovens
e adultos, capacitação empresarial e incubação de empreendimentos.
A partir daquele momento, e ao longo desses dezoito
anos, o Ceabra São Paulo tem contribuído para formar cidadãos que acreditam em seus sonhos e buscam as formas
e o instrumental para torná-los realidade. Por nossos
cursos, palestras e oficinas já passaram mais de 7 mil
jovens, empresários, artesãos e pequenos comerciantes.
O Ceabra São Paulo, no entanto, não é apenas uma “escola”
de gerenciamento empresarial. Juntamente com outros
parceiros, com a academia e com o que também aprenderam
a partir da convivência com esses jovens e empresários,
procuramos pensar políticas públicas para o segmento e
intervir na definição de estratégias econômicas. Como membro
do Conselho de Desenvolvimento Econômico, o Ceabra
procura ter voz nos debates sobre os rumos econômicos e
sociais do país.
Outro campo de atuação da entidade é em relação à
formação de crianças e adolescentes. Não é segredo que
a população negra constitua a camada mais pobre e discriminada
da sociedade. A falta de emprego, a desestruturação
do núcleo familiar, a pobreza, a falta de ensi –
no, saúde e condições de vida na periferia dos grandes
centros urbanos é a porta de entrada para o aliciamento
de crianças e adolescentes pelo tráfico e pelo crime or –
ganizado. Dar oportunidade para essa massa de crianças
e adolescentes, buscando inseri-las socialmente, é um
dos desafios do Ceabra. Por meio de atividades esportivas,
atendemos cerca de 4 mil jovens, em vinte núcleos
espalhados pela periferia da Grande São Paulo. Atuando
sobre a criança e o adolescente, estaremos criando jovens
e adultos responsáveis e preparados para enfrentar
os desafios da vida.
Na parte de qualificação, o CEABRA atua em dois focos:
na (re)inserção do jovem ou adulto no emprego formal e na
capacitação para aprimorar ou melhorar técnicas e conhecimentos,
possibilitando, assim, iniciar ou solidificar
um empreendimento. Nos cursos de Capacitação Empresarial
e Incubação de Empreendimentos, o foco é que a população
negra gere renda e trabalho. A incubação visa à criação,
ao desenvolvimento e ao fortalecimento do empreendimento,
gerando empregos, pois, em um mercado em que o desemprego
é estrutural, os primeiros a ficarem sem seus postos de
trabalho são os trabalhadores negros.
Percebemos que para a efetividade de nossas ações,
precisaríamos de facilitadores/professores capacitados
para atender esse público, pois suas necessidades são
específicas, por conta da trajetória histórica. Portanto,
a proposta do projeto Qualificação para Diversidade Empreendedora
é a formação de formadores e a busca de uma
metodologia que se identifique com o resgate histórico da
população negra brasileira.
Apesar de ter sido trazido como escravo, e, depois da
abolição, ter ficado à mercê da sorte por falta de políticas
voltadas para absorver essa mão-de-obra, como aconteceu com
imigrantes europeus, os afro-brasileiros têm-se mostrado um
povo empreendedor, faltando a oportunidade, ou melhor, políticas
públicas para que se fortaleça como empregador/empresário.
Para muitos, elas sempre existiram! Parte desses desconhecem,
ignoram a história do país e o legado da população
negra; outros são ideologicamente contrários e, nesta zona
de conforto, alimentam o racismo e a discriminação racial.
Muito ainda temos para fazer, mas a experiência desses
dezoitos anos, as vitórias e os percalços nos ensinaram
que as características que herdamos de nossos antepassados,
a capacidade de resistência e resiliência, são
fundamentais para seguirmos adiante, ultrapassarmos os
obstáculos, levantarmos a partir da queda e continuarmos
o nosso caminho.
A missão do Ceabra é atuar junto às comunidades afro
-brasileiras, disseminando a cultura do empreendedorismo,
para que atuem como protagonistas na superação da
desigualdade racial, no fortalecimento da democracia e
no desenvolvimento econômico do país. O objetivo institucional
é influenciar as políticas públicas voltadas para a
população afro-brasileira por meio do desenvolvimento de
projetos de capacitação e qualificação profissional, disseminando
a cultura do empreendedorismo como protagonista
na superação da desigualdade racial visando o desenvolvimento
socioeconômico de trabalhadores, empreendedores,
profissionais liberais, empresários informais e jovens em
situação de risco e ingressando no mundo do trabalho e
consequentemente o desenvolvimento econômico do país.
A forma de atuação do Ceabra com adultos e jovens
afro-brasileiros vem se aperfeiçoando no decorrer dos
anos. Duas atividades foram essenciais para isso: o convênio
firmado com a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir) para a execução do
Projeto de Incubação de Empreendimentos para Afro-Brasileiros;
e o convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego
para execução do projeto de Formação de Formadores
dirigido à validação metodológica para atender esse público
de forma dirigida e focada. Esse projeto foi divido
em três partes. A primeira fase envolveu a Formação de
Multiplicadores; a segunda fase, a validação metodológica;
a terceira fase foi a elaboração dos livros Superando
desafios sendo um empreendedor afro-brasileiro e Projeto
de Desenvolvimento Metodológico, para disseminar os resultados
alcançados.
Esse trabalho culmina, neste momento, com os esforços
para formular uma política nacional para o empreendedor
negro, ao concretizar-se o projeto Brasil Afroempreendedor,
em parceria com o SEBRAE Nacional. Durante um período
de quase três anos, sensibilizamos os parceiros sobre
as necessidades específicas dessa parcela considerável da
população brasileira, como forma de inclusão e desenvolvimento
econômico do Brasil.
Nossa primeira atividade patrocinada pelo SEBRAE
Nacional foi o Primeiro Seminário Nacional dos Empreendedores
e Empresários Afrobrasileiros (I Seneab) realizado
no dia 20 de novembro de 2012. A partir dos resultados
positivos e que vão ao encontro das políticas
adotadas pelo SEBRAE sobre microempresas e microempreendedores
individuais, celebramos o convênio que viabiliza
o Brasil Afroempreendedor. O lançamento do projeto
ocorreu em 5 de agosto de 2013, na cidade de São Paulo,
com um evento na Câmara Municipal de São Paulo, ao qual
compareceram cerca de 400 pessoas: empresários, empreendedores,
entidades voltadas à igualdade racial, ministros,
representações do legislativo Federal, Estadual
e Municipal e o diretor presidente do Sebrae nacional,
consolidando, com isso, uma estratégia por muitos anos
perseguida pelo Ceabra.
Queremos aqui também referenciar Jorge Aparecido Monteiro, autor do livro O empresário negro, em que bem descreveu a importância do empreendedor negro e de suas associações:
A empresa de afro-brasileiros possui um papel estratégico importante para a comunidade negra e para o Brasil, pela sua capacidade e seu potencial de gerar emprego e renda para milhares de pessoas, absorvendo quadros técnicos e administrativos de apoio à própria comunidade, sem falar dos enormes benefícios em termos de elevação da autoestima das pessoas que passam a ser referências de sucesso para milhões de outros
brasileiros.Não é nosso propósito defender o desenvolvimento de uma nova casta de capitalistas afro-brasileiros, descomprometidos com a sua história, com os seu papel social junto a essa comunidade, suas responsabilidades com o meio ambiente, com a qualidade de vida, com a educação, com as crianças e adolescentes, enfim, com as transformações necessárias que o país precisa realizar. A nova ordem que se instala exige uma relação ética e de respeito entre empresas, sociedade/consumidor e o meio ambiente. Antes de seguir qualquer modelo externo, enfim, que seja pensada a realidade do país e de sua própria comunidade.
O projeto Brasil Afroempreendedor constitui um marco, pois atende aos nossos anseios de formatar as estruturas para a construção de uma política nacional para os empreendedores afro-brasileiros. Como disse Monteiro:
Às associações de empresários negros está reservada a grande função estratégica, operacional e técnica de incentivar o desenvolvimento de potenciais empreendedores e das empresas já existentes de empresários negros, através de um projeto nacional de desenvolvimento da empresa afro-brasileira com o envolvimento e comprometimento de empresários, governos municipais estaduais e federal. Está aí um belo desafio a todos os interessados no progresso e desenvolvimento social e econômico dos negros deste país, como forma de luta contra o racismo e a discriminação.
O CEABRA, junto com a ANCEABRA e os CEABRAs nos Estados, tem dimensão de seu papel estratégico e histórico
junto aos milhares de afro-empreendedores que formam as redes do empreendedorismo, as cadeias produtivas, os segmentos, os setores produtivos, nos espaços urbanos e rurais de nosso país.